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António Sousa Homem

António Sousa Homem

Os tempos modernos e a invenção da internet

26 de outubro de 2014 às 00:30

A Dra. Celina, a nossa bibliotecária de Caminha,é adepta de "uma vida saudável" e de uma "alimentação equilibrada"e vê neste meu juízo uma forma de me desculpabilizar de cada vez que, quinzenalmente, com a minha sobrinha Maria Luísa (a eleitora esquerdista da família), cumprimos o ritual do nosso jantar de sábado no restaurante Ancoradouro, de Moledo. Por pudor, acrescento sempre a utilização de anestesia para fins odontológicos ou de obstetrícia, ou a possibilidade de comprar camisas já feitas (qualquer pessoa contemporânea do Estado português da Índia sabe que provar camisas num alfaiate era uma operação mais complicada do que arrematar uma casaca para casamento), é necessário mencionar a internet. Sou,nessa matéria, um escravo da vetusta Parker herdada do velho Doutor Homem, meu pai – a mesma com que celebrou o seu contrato nupcial com Dona Ester, minha mãe, e com que escreveu o belo cartão que acompanhava as rosas que o então jovem advogado portuense enviou à sua noiva, naquele frio Verão de Biarritz. O fax representou, para mim, um avanço tecnológico cujos abismos arrancavam sorrisos à Dra. Fernanda Cachão quando enviava as minhas crónicas manuscritas para o jornal. A minha sobrinhaeducou-me,amuito custo, no uso do computador.

Porém, há ocasiões em que me parece que a internet tem três objetivos ocultos.O primeiro é o de fornecer um lugar de reunião para todos os idiotas que, antes da sua invenção, não sabiam onde se encontrar – e estavam escondidos. Outro é o de levar pessoas tolerantes e de razoável inteligência a duvidar das virtudes da liberdade de expressão,tais as abjecções que ali se lêem. E, finalmente, o de transformar qualquer inutilidade da nossa vida em matériadegrandeimportância. Tucídides, na sua ‘História das GuerrasdoPeloponeso’,atribuía ao excesso de banalidade a decadência da sua terra. Péricles não o pôde prever; era um democrata e não vasculhava o Google. Se o fizesse já saberia que os inimigos estavam dentro de muros, armados e a dar erros ortográficos.

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