O SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal) entrou formalmente em operação em julho de 2006. Uma rede rádio baseada em tecnologia TETRA, digital e segura. Conforme o nome indica, foi criada para as comunicações de todas as agências de segurança do país, desde autoridades policiais, Bombeiros e Proteção Civil, INEM e outras entidades com atividades críticas, como por exemplo o Metro de Lisboa. Em poucos anos, as velhas redes rádio analógicas foram sendo substituídas por este sistema digital, encriptado e que permitia chamadas em grupo, comunicação entre equipas restritas e até mesmo entre diferentes entidades, semelhante a uma sala virtual. Mas apenas de voz, com um sistema de mensagens muito arcaico, os dados nunca estiveram disponíveis.
Desde o início do SIRESP verificaram-se muitas polémicas e falhas relacionadas com a gestão desta infraestrutura critica (fundamental para a segurança do país). Apenas em 2013 foi oficializada a cobertura total do território nacional (demorou sete anos), até lá existiam muitas “zonas sombra”, designação para locais com ausência de rede, que foram melhorando ao longo dos anos. Quando esta rede falha, os operacionais nos teatros de operações utilizam a rede móvel GSM, (quando também funciona), no caso dos Bombeiros podem ainda utilizar a velhinha rede rádio analógica da rede ROB (Rede Operacional de Bombeiros), que os Bombeiros nunca suprimiram e mantiveram de forma redundante, apesar das suas limitações, especialmente em alcance.
Acompanhei a implementação desta rede desde o início, enquanto Comandante de Bombeiros e confesso que muitos episódios poderia contar do SIRESP e das suas falhas e fragilidades. Nos incêndios da Serra do Caramulo, em 2013, registámos muitas horas sem comunicações SIRESP (o sistema não suportou o elevado número de equipamentos), mitigadas pela rede móvel GSM, que por vezes também colapsava. A falha catastrófica foi mesmo no incêndio de Pedrógão Grande, em 2017, que se verificou todas as fragilidades da rede SIRESP. Recordo-me daquele dia, fui a comandar um Grupo de Reforço de Combate a Incêndios Florestais de Bombeiros de Lisboa e na última comunicação que consigo fazer por SIRESP com o Comando Nacional da Proteção Civil, a nossa força foi projetada para Alvaiázere. Ao chegarmos ao teatro de operações, o SIRESP colapsou por completo e mesmo as outras redes móveis, naquela região, ficaram totalmente inoperacionais, deixando todos os operacionais no terreno sem comunicações. Não existindo qualquer comunicação de nível tático ou estratégico, verificou-se o colapso da estrutura de resposta à emergência, que ficou sem comando e controlo.
O Governo decidiu agora constituir uma equipa de trabalho para substituição do SIRESP, devido às falhas no apagão de 28 de abril, que apesar de parciais, se o apagão se perlongasse no tempo o colapso teria sido total. Esta decisão só peca por tardia, não foi necessário o apagão para os utilizadores desta rede confirmarem o que já sabiam, o SIRESP é uma rede de comunicações de emergência muito vulnerável, basta haver a interrupção de fornecimento de energia a uma estação base ou repetidor e uma determinada região poderá perder todas as comunicações em poucas horas. Em relação ao número de utilizadores, também nunca suportou muitos utilizadores, o que não é compatível com cenários de emergência, em que as comunicações têm de aumentar pelas razões obvias.
Na verdade, esta rede quando foi instalada em 2006 já era arcaica, não possui comunicação por dados, não permite acesso à internet e imagens vídeo, algo fundamental e imprescindível no comando e controlo de qualquer operação nos dias de hoje. Qualquer posto de comando, atualmente, utiliza o SIRESP apenas para comunicações voz, para utilização de dados são utilizadas redes 4G e 5G de operadores comuns. Em caso de catástrofe, nenhuma operadora móvel consegue garantir a operação das suas redes para as forças de segurança durante muitas horas, aliás como comprovámos no apagão de dia 28.
A substituição do SIRESP irá durar anos, num processo de transição para redes digitais híbridas de tecnologia móvel de transmissão de dados 4G/5G.
Nesta fase, é fundamental que a arquitetura de base deste novo sistema, ofereça garantias sérias, de robustez para funcionar em cenários de catástrofe. Terá de operar com ligação redundante a comunicações satélite, na falha da rede terrestre. Robustez que permita o suporte de comunicações em teatros de operações de grandes dimensões e naturalmente a utilização de dados móveis em plena operação com comunicações voz e vídeo, assim como um sistema com maior facilidade na criação de Talkgroups entre as diversas entidades, Policia, Bombeiros, etc. Garantir a alimentação de energia de emergência às estações base e antenas por períodos mais longos, garantindo que em situações de apagões de energia, resultantes de sismos e outros eventos, o sistema se mantém operacional. Comprovámos recentemente que as operadoras móveis são muito vulneráveis e não possuem robustez em caso de falhas catastróficas, aguentando poucas horas em caso de colapso da rede energética.
A equipa nomeada pelo governo, tem a responsabilidade de desenhar uma plataforma de comunicações de EMERGÊNCIA, que se mantenha operacional nas situações de catástrofe e de exceção. Não queremos um novo SIRESP que esteja dimensionado apenas para a normal operação do dia a dia. Já é preocupante o suficiente que os Bombeiros, o principal agente de proteção civil não esteja representado nesta equipa, algo que não deixa de ser estranho, pois os Bombeiros são a entidade que mais utiliza a rede de emergência SIRESP.
Aguardamos com expetativa os resultados deste projeto de mudança, que deveria ser alvo de alguma discussão publica. No final de tanta polémica, trata-se da rede de emergência para a segurança do país a todos os níveis, tem mesmo de ser à prova de bala.
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Os Bombeiros não precisam de aplausos e reconhecimento sazonal, precisam sim de carreiras, financiamento estruturante e contratos programa com as Associações… mas acima de tudo respeito.
A falha catastrófica de um cabo de aço num transporte público, nunca poderia culminar na morte de 16 pessoas.
Não estará na hora de mudar qualquer coisa na coordenação estratégica do sistema?
O SIRESP, polémicas à parte, trata-se da rede de emergência para a segurança do país a todos os níveis e tem de ser robusta e à prova de bala.
Em apenas meio-dia de apagão, todos constatamos a nossa impreparação coletiva face ao risco de colapso de infraestruturas críticas.
Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil alterou a sua organização de um modelo distrital para um modelo regional e sub-regional.